sexta-feira, 18 de março de 2011

António Aleixo e as suas criações

António Fernandes Aleixo foi um dos poetas populares algarvios de maior relevo.

Nasceu a 18 de Fevereiro de 1899. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda da PSP e servente de pedreiro (que também exerceu em França).

Voltou ao seu país natal, regressando novamente a Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar nas feiras (o que se juntou ao seu conjunto de profissões).

Era um poeta de rara espontaneidade e de um apurado sentido filosófico. António Aleixo vai começando a ser conhecido pelos seus poemas e bastante apreciado por inúmeras pessoas. O primeiro livro nasce em 1943, de uma colecção formada por José Rosa Madeira, um dos coleccionadores dos seus poemas, onde tem uma melhoria de vida.

Ficou doente, com tuberculose, tendo que ser internado no hospital do Sanatório dos Covões, em Coimbra, a 28 de Junho de 1943.

Descobre novas amizades e novos admiradores do seu trabalho. Os seus últimos anos de vida foram passados entre Coimbra e Loulé. Faleceu, em Loulé, a 16 de Novembro de 1949.

Aqui ficam dois poemas de António Aleixo…

No primeiro, fala-se sobre da vida do próprio poeta. Descrevem-se as várias dificuldades das vivências pessoais e algumas transformações sofridas.

O poeta

A sorte que veio comigo

Morria co’a minha morte,

Se não houvesse um amigo

Que descobrisse essa sorte.



Fui coto que ia acabar

Num monturo, cano ou esgoto,

Porque ninguém q’ria usar

A luz fraquinha de um coto.



Mas quando alguém se lembrou

Querer mostrar-me, não me opus:

É a fraca a luz que vos dou,

Mas afinal sempre é luz.



Por me ver ao abandono,

E ouvindo a minha poesia,

Disse-me que era dono

De coisas que não sabia.



Há quem suba de repente,

P’ra de repente cair;

Já me sinto contente

Com o modo de subir.





Traz-me num desassossego

O alivio á minha cruz;

Ando tal qual o morcego

Ao deparar como o luz



Vou ver se me salvo ainda

Dos males de que padeço;

Acho a minha linda

Mais agora que ao começo.



Se o meu livro se consome,

Pode-me cobrir de glória,

Mas, depois, a minha historia

Dirá que morri de fome.



Se vim condenado á morte,

Também fiquei a saber

Que só aqui a saber

Que só aqui pôde ser

Um desgaraçado ter sorte!...



De vender a sorte grande,

Confesso, não tenho pena;

Que a roda ande ou desande

Eu tenho sempre a pequena.



Q’ria que o mundo soubesse

Que a dor que tortura a vida

É quase sempre sentida

Por quem menos a merece.



Oh! Quem me dera, sozinho,

E em quatro versos somente,

Contar ao mundo inteirinho

A mágoa de toda a gente.



Eu era mendigo outrora,

Tantas esmolas pedi,

Que não sei dizer agora

Quantas vezes me vendi.



Desprezo o que eles preferem,

Porque quero ser sincero,

E quero o que eles não querem.



Quem canta por conta sua

Quer ser, com muita razão,

Quer ser, com muita razão,

Antes pardal, cá na rua,

Que rouxinol na prisão.



Quando, sonhando, atingimos

O fim por nós vêem chorar;

Mas quero que se convençam

Que a dor também faz cantar.



Vivo sempre satisfeito,

Pois, mesmo quando a sofrer,

Tenho um rouxinol no peito,

Que canta p’ra me entreter.

Fiz do meu estro uma vara

Para medir a verdade

E dar com ela na cara

Do cinismo e da vaidade.



Se tudo me foi vedado,

Se vivi de tudo á mingua,

Deixai que vos mostre a língua

Com o freio bem cortado.



Se vos canto a dor daqueles

Que sabem sofrer a rir,

É p’ra vos fazer sentir

Um pouco de pena deles.



Se umas quadras são conselhos

Que vos dou de boa fé;

Outras são finos espelhos

Onde o leitor vê quem é.



Meus versos, que dizem eles

Que façam mal a alguém?...

Só fazem mal àqueles

A quem podem ficar bem!







No segundo poema, fala-se de como a cidade de Coimbra é boa para estudar, para várias profissões (como advogado ou engenheiro) e também se refere o Inverno e o Inferno. O sujeito lírico afirma-se velho e doente, insistindo que o satisfaz ver o mundo a ir para a frente embora ele ande para trás.



Ocasionais



A começar pelo «urso»

De Coimbra, a estudantada,

Só quando se acaba o curso,

Sabe que não sabe nada.



Alheio ao significado,

Diz o povo, e com razão,

Quando ouve um grande aldrabão:

- Dava um bom advogado.



Foste beijar o menino,

Quando, afinal, eu vi bem

Que beijaste o pequenino

Porque gostavas da mãe.



Hoje os chapéus das senhora,

Cheios de aselhas e véus,

São capachos, são vassoras,

São tudo, menos chapéus.



Pintas esse rosto lindo,

Tapas a cara que é tua,

E estás em casa ou na rua,

Mesmo calada, mentindo.



Quem só veste o que lhe dão

Vive sempre num inferno:

Traz sobretudo no v’rão

E anda em camisa no inverno.







O tempo mete na norma

O mundo, que andava em perigos,

E é tempo que transforma

A casaca dos amigos.



Poeta, não, camarada,

Eu sou também cauteleiro;

Ser poeta não dá nada

Vender jogo dá dinheiro.



Nem os sábios… nem os poetas

Sabem fazer, de bom grado,

Aldrabices mais completas

Do que um bom advogado.



Tu que tens saber profundo,

Que és engenheiro e vês bem,

Ergue uma ponte, onde o mundo

Passe sem ’smagar ninguém.



Que, nas pontes do passado,

Se alguém pões um pé em falso,

E esse alguém vai bem calçado,

Pisa quem passa descalço.



Faz com que andem, se és capaz,

Só p’rà frente e com cautela,

P’ra não haver marcha atrás,

Que já ninguém se atropela.



Estou gasto, velho e doente,

Mas muito me satisfaz

Ver o mundo andar p’rà frente,

Embora eu ande p’ra trás.



Muito embora o não conheça,

Com o livro que lhe ofereço,

Quero que de mim mereça

O que de si não mereço.



Não há nenhum milionário

Que seja feliz como eu:

Tenho como secretário

Um professor do liceu.



Creio não ser por desdouro

Que alguém te chama «pirata»:

Tu tens um coração de ouro

E uma linguinha… de prata.



O Neves Pires sombrio

Põe nas terras estrangeiras

O chocolate algarvio,

Filho das alfarrobeiras.



Há pegos no mundo inteiro;

Mas, neste canto do mundo,

Há um Pegos que, em dinheiro,

É como um pego sem fundo.





Trabalho realizado por:

Ana Teresa Soares Nº 4 8ºC

Daniel Veloso Nº 7 8ºC

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