António Fernandes Aleixo foi um dos poetas populares algarvios de maior relevo.
Nasceu a 18 de Fevereiro de 1899. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda da PSP e servente de pedreiro (que também exerceu em França).
Voltou ao seu país natal, regressando novamente a Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar nas feiras (o que se juntou ao seu conjunto de profissões).
Era um poeta de rara espontaneidade e de um apurado sentido filosófico. António Aleixo vai começando a ser conhecido pelos seus poemas e bastante apreciado por inúmeras pessoas. O primeiro livro nasce em 1943, de uma colecção formada por José Rosa Madeira, um dos coleccionadores dos seus poemas, onde tem uma melhoria de vida.
Ficou doente, com tuberculose, tendo que ser internado no hospital do Sanatório dos Covões, em Coimbra, a 28 de Junho de 1943.
Descobre novas amizades e novos admiradores do seu trabalho. Os seus últimos anos de vida foram passados entre Coimbra e Loulé. Faleceu, em Loulé, a 16 de Novembro de 1949.
Aqui ficam dois poemas de António Aleixo…
No primeiro, fala-se sobre da vida do próprio poeta. Descrevem-se as várias dificuldades das vivências pessoais e algumas transformações sofridas.
O poeta
A sorte que veio comigo
Morria co’a minha morte,
Se não houvesse um amigo
Que descobrisse essa sorte.
Fui coto que ia acabar
Num monturo, cano ou esgoto,
Porque ninguém q’ria usar
A luz fraquinha de um coto.
Mas quando alguém se lembrou
Querer mostrar-me, não me opus:
É a fraca a luz que vos dou,
Mas afinal sempre é luz.
Por me ver ao abandono,
E ouvindo a minha poesia,
Disse-me que era dono
De coisas que não sabia.
Há quem suba de repente,
P’ra de repente cair;
Já me sinto contente
Com o modo de subir.
Traz-me num desassossego
O alivio á minha cruz;
Ando tal qual o morcego
Ao deparar como o luz
Vou ver se me salvo ainda
Dos males de que padeço;
Acho a minha linda
Mais agora que ao começo.
Se o meu livro se consome,
Pode-me cobrir de glória,
Mas, depois, a minha historia
Dirá que morri de fome.
Se vim condenado á morte,
Também fiquei a saber
Que só aqui a saber
Que só aqui pôde ser
Um desgaraçado ter sorte!...
De vender a sorte grande,
Confesso, não tenho pena;
Que a roda ande ou desande
Eu tenho sempre a pequena.
Q’ria que o mundo soubesse
Que a dor que tortura a vida
É quase sempre sentida
Por quem menos a merece.
Oh! Quem me dera, sozinho,
E em quatro versos somente,
Contar ao mundo inteirinho
A mágoa de toda a gente.
Eu era mendigo outrora,
Tantas esmolas pedi,
Que não sei dizer agora
Quantas vezes me vendi.
Desprezo o que eles preferem,
Porque quero ser sincero,
E quero o que eles não querem.
Quem canta por conta sua
Quer ser, com muita razão,
Quer ser, com muita razão,
Antes pardal, cá na rua,
Que rouxinol na prisão.
Quando, sonhando, atingimos
O fim por nós vêem chorar;
Mas quero que se convençam
Que a dor também faz cantar.
Vivo sempre satisfeito,
Pois, mesmo quando a sofrer,
Tenho um rouxinol no peito,
Que canta p’ra me entreter.
Fiz do meu estro uma vara
Para medir a verdade
E dar com ela na cara
Do cinismo e da vaidade.
Se tudo me foi vedado,
Se vivi de tudo á mingua,
Deixai que vos mostre a língua
Com o freio bem cortado.
Se vos canto a dor daqueles
Que sabem sofrer a rir,
É p’ra vos fazer sentir
Um pouco de pena deles.
Se umas quadras são conselhos
Que vos dou de boa fé;
Outras são finos espelhos
Onde o leitor vê quem é.
Meus versos, que dizem eles
Que façam mal a alguém?...
Só fazem mal àqueles
A quem podem ficar bem!
No segundo poema, fala-se de como a cidade de Coimbra é boa para estudar, para várias profissões (como advogado ou engenheiro) e também se refere o Inverno e o Inferno. O sujeito lírico afirma-se velho e doente, insistindo que o satisfaz ver o mundo a ir para a frente embora ele ande para trás.
Ocasionais
A começar pelo «urso»
De Coimbra, a estudantada,
Só quando se acaba o curso,
Sabe que não sabe nada.
Alheio ao significado,
Diz o povo, e com razão,
Quando ouve um grande aldrabão:
- Dava um bom advogado.
Foste beijar o menino,
Quando, afinal, eu vi bem
Que beijaste o pequenino
Porque gostavas da mãe.
Hoje os chapéus das senhora,
Cheios de aselhas e véus,
São capachos, são vassoras,
São tudo, menos chapéus.
Pintas esse rosto lindo,
Tapas a cara que é tua,
E estás em casa ou na rua,
Mesmo calada, mentindo.
Quem só veste o que lhe dão
Vive sempre num inferno:
Traz sobretudo no v’rão
E anda em camisa no inverno.
O tempo mete na norma
O mundo, que andava em perigos,
E é tempo que transforma
A casaca dos amigos.
Poeta, não, camarada,
Eu sou também cauteleiro;
Ser poeta não dá nada
Vender jogo dá dinheiro.
Nem os sábios… nem os poetas
Sabem fazer, de bom grado,
Aldrabices mais completas
Do que um bom advogado.
Tu que tens saber profundo,
Que és engenheiro e vês bem,
Ergue uma ponte, onde o mundo
Passe sem ’smagar ninguém.
Que, nas pontes do passado,
Se alguém pões um pé em falso,
E esse alguém vai bem calçado,
Pisa quem passa descalço.
Faz com que andem, se és capaz,
Só p’rà frente e com cautela,
P’ra não haver marcha atrás,
Que já ninguém se atropela.
Estou gasto, velho e doente,
Mas muito me satisfaz
Ver o mundo andar p’rà frente,
Embora eu ande p’ra trás.
Muito embora o não conheça,
Com o livro que lhe ofereço,
Quero que de mim mereça
O que de si não mereço.
Não há nenhum milionário
Que seja feliz como eu:
Tenho como secretário
Um professor do liceu.
Creio não ser por desdouro
Que alguém te chama «pirata»:
Tu tens um coração de ouro
E uma linguinha… de prata.
O Neves Pires sombrio
Põe nas terras estrangeiras
O chocolate algarvio,
Filho das alfarrobeiras.
Há pegos no mundo inteiro;
Mas, neste canto do mundo,
Há um Pegos que, em dinheiro,
É como um pego sem fundo.
Trabalho realizado por:
Ana Teresa Soares Nº 4 8ºC
Daniel Veloso Nº 7 8ºC